A psicoterapia e o remédio
Imagine alguém que está com febre. Obviamente isso o incomoda e traz desconforto. Dependendo do grau, poderá causar grande mal estar, até mesmo o fazendo ficar de cama. O que você acha que ele deveria fazer? Tomar um remédio para aliviar a febre?
Bem, digamos que ele tenha tomado um remédio para febre. Depois de um período curto, a febre deixou o seu corpo e ele se sente bem melhor. Volta a realizar as atividades cotidianas normalmente. No entanto, após um tempo a febre volta com força total. E agora, o que ele deve fazer? Tomar outro remédio para febre novamente?
Com certeza a resposta seria não, porque, afinal de contas, o problema não é a febre. Analisando a situação, é fácil constatar que ela é apenas um sintoma de que algo não vai bem no organismo. O ideal então é comparecer em um médico para realizar o diagnóstico da doença – a real causa da febre – para, somente depois, realizar um tratamento específico. Não adianta simplesmente ficar tomando remédio para aliviar a febre.
Da mesma forma, uma questão emocional/psicológica não pode ser tratada apenas com medicação. O problema não é, por exemplo, a melancolia e anedonia: refere-se a uma falta de estrutura psicológica para lidar com uma situação adversa. Os antidepressivos são úteis para amenizar alguém de uma depressão profunda para, por conseguinte, dar possibilidade que ele seja capaz de trabalhar adequadamente e absorver a psicoterapia. Essa última é que realmente auxiliará a pessoa a cuidar melhor de si mesma, de modo que a probabilidade de cair novamente em uma depressão profunda diminua significativamente.
Não queremos desmerecer o trabalho realizado pelo psiquiatra, pelo contrário, é de suma importância e complementar ao do psicoterapeuta. Contudo, é necessário compreender que os problemas psicológicos derivam, em grande parte, de dificuldades em se relacionar com o próximo, consigo mesmo e com as adversidades da vida. Apesar de muitos especialistas recomendarem que a medicação seja utilizada como tratamento complementar, administrando-a somente após o início do processo psicoterapêutico, muitas das vezes essa recomendação não é acatada. À medida que os remédios se tornam o tratamento padrão para transtornos psicológicos, o contato humano se torna cada vez menos parte da cura.
Você já parou para pensar que é do interesse da indústria farmacêutica que a medicação assume esse lugar protagonista no combate a problemas emocionais/psicológicos?
Outro aspecto a ressaltar é que o indivíduo pode desenvolver tolerância à medicação. Uma dose inicial que surtia determinado efeito, com o tempo não surte mais. É essencial, portanto, aumentar a dose para que haja o mesmo resultado anterior, e assim sucessivamente, até o ponto em que não surte mais efeito: então é necessário trocar a medicação por outra. É importante lembrar também que alguns desses remédios causam efeitos colaterais. A psicoterapia, por sua vez, não tem qualquer efeito colateral e, ao contrário dos efeitos de um comprimido, os ganhos dela duram para sempre.
Não é incomum encontrar pessoas que desenvolveram uma dependência dos remédios e que, por anos, os tomam sem que haja a remissão total dos sintomas. Na verdade, a função da medicação é manter os sintomas sob controle. A pessoa que está sob uma depressão mais agressiva, por exemplo, pode ter dificuldade de sair da cama, trabalhar, se relacionar, cuidar do asseio pessoal, etc. Então a medicação irá ajudá-la a realizar essas atividades cotidianas para que, concomitantemente, ela possa se engajar efetivamente em um processo psicoterapêutico.
Por sua vez, o ambiente que a psicoterapia proporciona é capaz de desvelar questões profundas da personalidade do indivíduo e também de descobrir falsas crenças que culminaram no atual sofrimento psicológico. Ela faz com que as pessoas se sintam melhor consigo mesmas e mais no controle de suas vidas. O psicólogo utiliza diversas técnicas capazes de conhecer a real causa dos sintomas e, portanto, trabalhará no cerne da questão. Além disso, a psicoterapia não serve apenas para aliviar o sofrimento: é um instrumento poderoso para fortalecer o indivíduo, desenvolvendo-o em direção a maior autonomia e crescimento pessoal.
Portanto, a medicação tem seu papel no processo, mas é a psicoterapia que contribuirá majoritariamente para que a pessoa supere as adversidades e se restabeleça emocional, física e relacionalmente.